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Quem pariu o negacionismo?   Um artigo do filósofo espanhol Daniel Innerarity, publicado no El País de abril de 2021, sob o título “Arrogantes e crédulos”, apresenta uma contribuição extremamente interessante para refletirmos sobre esta sombra negacionista que parece ter se instalado muito recentemente não apenas na sociedade brasileira, senão também na sociedade mundial. Quando nos deparamos com afirmações absurdamente falsas que circulam em grupos de whatzapp, como “ Vacina contra Covid-19 altera o DNA humano ”, “ Vacina contra Covid-19 pode inserir um microchip no corpo do vacinado ”, “T ermômetros infravermelhos causam doenças cerebrais ”, é inevitável nos perguntarmos se isso decorre da estupidez humana ou apenas de uma tentativa deliberada de construir um espaço cultural conspiratório onde se possa manejar a vontade   política dos “crédulos”. Se a única resposta correta fosse a primeira (e é isso o que é vendido nos meios de comunicação de massa), seria relativamente fácil
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A TERRA EM PREÇO DE LIQUIDAÇÃO Há alguns dias atrás eu postei aqui no blog um comentário sobre uma "descoberta" que fiz de um livro do Ailton Krenak, chamado "Ideias para adiar o fim do mundo". Um livro "leve" na leitura, mas que não deixa de ser profundo no entendimento; um livro "simples" na maneira de expressão do autor mas, ao mesmo tempo, complexo na mensagem que transmite. Talvez seja esse o grande segredo de Krenak, que o tem feito um certo "pop star" em tempos de pandemia; alguém que, com a serenidade dos que aprenderam a contemplar o silêncio da natureza, nos convida a refletir com o pé no chão, a permitir que a nossa humanidade se sobreponha à nossa angústia. Alguém que hesita em fazer planos para o futuro, apenas para conseguir viver o presente com maior inteireza. Quando ele afirma que "temos que parar de vender o amanhã", isso me parece um conselho extremamente sábio, e não porque eu tenha uma interpretação fatali
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O MUNDO PRECISA DE MAIS GEOGRAFIA! Hoje, às vésperas de comemorarmos o dia do Geógrafo (29 de maio), resolvi compartilhar aqui a análise de um livro que, embora não tenha sido escrito por um geógrafo, e nem a eles seja dedicado, é uma demonstração pedagógica de que o mundo precisa empreender cada vez mais um pensamento geográfico, sob pena de ampliarmos ainda mais o sofrimento humano diante das incertezas do Antropoceno. Quando falo de pensamento geográfico, estou me referindo não necessariamente à produção de uma ciência específica, mas a uma forma de pensamento complexo que interpreta as múltiplas conexões entre a sociedade e a natureza no contexto das espacialidades terrestres produzidas. Quero apresentar hoje um livro chamado " Spillover: Animal Infections and the Next Human Pandemic " (Transbordamento: Infecções animais e a próxima pandemia humana), publicado em 2012 pelo escritor norte-americano David Quammen. Este livro vai na mesma linha de um outro já discut
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PINTANDO COM A LUZ  Certa vez Sebastião Salgado, mineiro da cidade de Aimorés, e um dos mais reconhecidos fotógrafos do século XX e XIX, afirmou que o fotógrafo é o artista que pinta com a luz. Talvez poucas expressões possam definir tão bem a obra deste artista que, desde os anos 70, registra as singularidades do mundo em tons de cinza. Quando mergulhamos na obra de Sebastião Salgado, percebemos  que ele possui uma capacidade única de não somente trabalhar com a luz, composição fotográfica e contrastes, mas também de mostrar ao mundo o que são realidades distantes que não conhecemos, a ponto de sermos capazes de nos emocionar com elas a cada foto. A foto é uma poesia desenhada no papel, transformando a tristeza do mundo em uma estética da resistência, denunciando que a vida esquecida pelos grandes mercados e pela política internacional insiste em reivindicar um espaço no planeta. Sebastião Salgado é um brasileiro que testemunhou ao longo de sua vida a esperança de um futu
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TODAS AS FAMÍLIAS FELIZES SE PARECEM Um dos clássicos da literatura russa do final do século XIX (Anna Karenina), escrito por Leon Tolstói em 1877, inicia com uma célebre frase: " Todas as famílias felizes se parecem; cada família infeliz é infeliz a seu próprio modo ". Extrapolando o contexto da obra, esta afirmação poderia ter se eternizado na análise das sociedades ao longo da história, já que na sociedade moderna capitalista parece haver apenas um caminho para a felicidade (o progresso, o desenvolvimento, a tecnologia, a acumulação de riquezas, a perda de natureza e o abandono de princípios éticos que insistem em nos relembrar da essência do humano). Nesse clube de países felizes, todos se parecem no consumo globalizado, no conforto tecnológico, frequentando shopings muito semelhantes, dirigindo automóveis de design universal ou adotando marcas corporativas que unificam as imagens do mundo. Já os infelizes, são infelizes cada um a seu modo, seja pela pobreza extrema,
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A cura da Terra? Há muitos anos atrás, comprei um livro escrito por um jornalista e professor da Universidade do Arizona, Alan Weisman, intitulado "O Mundo sem Nós". Este livro, lançado no Brasil em 2007, acabou virando uma minissérie de duas temporadas do History Channel em 2009, e alguns capítulos dublados ainda podem ser encontrados no youtube. Neste livro, Weisman reúne uma equipe de engenheiros, biólogos, climatologistas, geólogos e arqueólogos para dar respostas a uma só pergunta: Como ficaria a Terra, se a espécie humana desaparecesse repentinamente? A obra é uma versão estendida do artigo "Terra Sem Gente" (Earth Without People), escrito pelo mesmo autor e publicado na revista Discover em fevereiro de 2005. As distopias futuristas que tantas vezes têm aparecido nas telas de Hollywood desde a década de 70, como em "A Última Esperança da Terra" (1971) e em Mad Max (1979), já não trazem nada de tão novo assim; só para entendermos o alcance di
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QUANDO O MENOS SE TORNA MAIS Nestas últimas semanas tenho aqui feito comentários sobre livros extremamente interessantes para compreendermos a complexidade da relação sociedade-natureza no momento em que vivemos. Ainda assim, são livros densos, que exigem do leitor uma atenção demorada, uma reflexão lenta, um esforço intenso para conectar dimensões. Não poderia ser muito diferente disso, pois neste mundo caótico que ameaça a sobrevivência humana, a busca de atalhos e sínteses ligeiras, pode ser a pior das armaldilhas. No entanto hoje, ao contrário das obras que tenho comentado, vou apresentar uma feliz descoberta, que recebi como presente de uma querida amiga. Trata-se do livro escrito por Ailton Krenak, um dos mais destacados ativistas do movimento socioambiental e de defesa dos direitos indígenas no Brasil. Indígena da etnia crenaque, do vale do rio Doce, Ailton participou da Assembleia Nacional Constituinte que elaborou a Constituição Brasileira de 1988 e é doutor honoris c